segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Conto: Festa de Aniversário

Festa de aniversário

No supermercado escolheu das estantes de festa aquilo que mais lhe chamou a atenção.
37 velas azuis. Pratos pequenos azuis.
Copos de papel azuis. Talheres de plástico azuis.
Bordas de mesa azuis. Chapéus azuis.
Bexigas azuis. Confetes e serpentinas coloridos.
Nos refrigerantes pegou coca, pensando que alguém poderia gostar desse caramelo líquido. Soda.
Pegou duas garrafas de vinho gato negro e uma do porto, 69 reais e 35 centavos.
Dois litros de vodka Orloff.
Pães, doces de lata e duas barras de chocolate.
Cigarros.
Na fila acendeu um deles e logo foi interceptado pelo segurança do estabelecimento. Pensou ser a lei antitabagismo ingrata. Enquanto apagava o cigarro no sapato sentiu-se um idiota. Iria certamente pedir um desconto no valor da compra, já que teve que descartar parte do produto.
Não respondeu quando a caixa perguntou se tudo aquilo era para a festa de seu filho. Achou que as pessoas não precisavam cometer a violência de ter uma educação mentirosa.
Alguém não percebe isso?
Lembrou-se de “faça o seu pedido, senhor”. “batata grande por mais um real, senhor?” Protocolo maldito. Script infinito de um mesmo ator infinito, de um sorriso falso e infinito.
Pagou com o cartão de crédito.
- Bandeira, senhor?
Apontou a marca VISA.
- Bandeira, senhor?
Apontou com dois dedos e balançando o cartão a marca VISA.
- Bandeira, senhor?
Parecia querer fazer com que o homem falasse, já que não respondeu para quem era a festa.
- A senhora é cega?
- Bandeira, senhor?
- VISA.
Era bonita a caixa. Tinha lábios grossos e cabelos cacheados.
Pode ver parte de um de seus mamilos pelo decote. Saliva na língua.
Via luzes que eram resquícios de Natal. OFERTA. OFF. DESCONTO. 30. 40. 50 até 90 por cento. Famílias compravam presentes atrasados.
Saiu.
Estacionou o carrinho de compras ao lado de um Santana 92. Deixou a festa dentro do porta-malas e percebeu que tinha perdido o cartão de estacionamento.
Não ia procurar gente competente para resolver o problema. Renavam, placa e condutor.
Colou em um Gol e quando a cancela abriu passou como se fosse um vagão do primeiro. A cancela tocou o porta-malas como se desse um tapinha na bunda de “vai nessa!”.
No trânsito era calmo e gostava de ouvir música brasileira.
89,7.
eu fico louco eu fico fora de si
Fazia do volante percussão.
Parava nos sinais amarelos, mesmo que alguém atrás desse farol.
Calmamente... Calmamente...
eu fico oco eu fico é bem assim eu fico sem ninguém em mim”
Os vidros sempre fechados, mesmo que o sol castigasse.
Suava às vezes.
Sentia o corpo arrepiar de calor.
Sem ar condicionado.
eu fico um pouco depois eu saio daqui”
Buzinou curto para o porteiro, que logo avistou o velho santana de seu Fernando, vulgarmente chamado de “gato de botas” pelas crianças.
Ele nunca entendeu o apelido.
Entrou no elevador e logo atrás dele entrou a moradora do 96.
Quase todos os dias encontrava dona Cláudia, que saía para o banho de sol de sua gata.
Gata branca e gorda que parecia sempre dopada, olhava para os lados em movimento lento. Era uma esfinge bêbada.
Elevador estático.
Mulher de seios fartos, decote imenso. Pernas grossas e sempre de calça colada, isso fazia com que se visse delineadamente seu órgão genital dividido, apertado.
Havia nele todas as vezes que a via uma vontade quase incontrolável de morder os peitos de dona Cláudia, morder a bunda e com violência invadi-la. Imaginava-se arrancando os mamilos, e mastigava como chicletes.
Saliva na língua e bochechas.
Sentiu inchar entre as pernas.
- Bom dia, senhor Fernando.
- Bom dia, dona Cláudia.
- Vai ter festa hoje?
Tentou esconder os enfeites no saco de papel.
- Não, não. Nada de especial. Faço mais um inverno.
- Primavera, seu Fernando.
- Não, inverno mesmo.
- Mas o ditado diz primavera.
- Depois dos 40 se faz inverno, ou melhor, dona Cláudia, contagem regressiva. Mas que seja primavera então, dona Cláudia.
Que horror, seu Fernando (arrumou o decote, para baixo, quase o mamilo todo apareceu)
Ele sem pudor algum olhou para o decote da mulher. Suas pupilas dilataram, queria mergulhar.
Elevador estático.
Bochechas são represa de saliva.
Como de costume, ela se virou para deixar a gata no chão. A esfinge bêbada caiu. A mulher se virou e deixou a mostra sua imensa bunda, redonda e um pouco flácida. Dividida. A calça branca dava a impressão que aquela bunda se transformava em uma lua, cheia. Qualquer homem romântico cantaria pra essa lua, faria pra ela uma serenata masturbatória.
Ele queria invadi-la e depois jogá-la fora. Jogá-la do nono andar.
Seria carne pulsante, e logo depois carne moída.
- Caso for fazer uma festinha não esqueça de me convidar. O senhor sabe que adoro uma festa. Como dizem, sou arroz de festa. (um sorriso que o escaneou) Pareceu ter percebido o volume na calça do homem.
- Convidarei, dona Cláudia.
Elevador estático.
Apertou o décimo sétimo andar.
Enquanto o elevador subia, via o decote e sentia seu membro crescer. Sem pudor o ajeitou.
Ela deliberadamente viu.
- Ia me esquecendo de apertar o meu andar.
Apertou o número 9.
- Esse elevador sobe rápido, não acha, seu Fernando?
- Sim, sobe realmente rápido. Rápido demais. É a tecnologia, dona Cláudia.
- É sim, seu Fernando, a tecnologia.
Um silêncio perigoso se fez em dois metros quadrados.
Queria enrabar aquela mulher. Certamente se esbarrasse sem querer no botão de pane teria a possibilidade de liberar rapidamente aquila bomba orgásmica que estava dentro de si. E ela certamente se deliciaria por rápidos cinco minutos.
- Até logo, seu Fernando. (virando-se para pegar a gata)
- Até logo, dona Cláudia.
Ela saiu deixando um cheiro de gato no ambiente.
Tentou abrir a porta com os sacos de supermercado nas mãos. Irritou-se e os deixou sobre um vaso, amassando uma das mudas de qualquer coisa.
Eram três chaves diferentes.
   Alto
Meio....................................segredo
   Chão
Em São Paulo morar em apartamento pode ser perigoso, quanto maior o número de suspeitos, maior a probabilidade de arrombamento. 4 apartamentos por andar. 17 andares. 3 blocos. Cada apartamento com aproximadamente 4 pessoas.  Quase 820 suspeitos.
Era dia de seu aniversário.
Às 4 e meia da tarde começou a escolher as músicas que tocaria quando os convidados começassem a chegar. Tentou se lembrar da hora exata em que chegariam. Talvez às 7, ou 8 e meia.
Separou alguns CDs. Em ordem programava:
CD 1 - Titanomaquia
CD 2 - Dois
CD 3 - Cena de cinema
CD 4 - Várias Variáveis
CD 5 - Quatro estações
CD 6 - Descivilização
CD 7 - Extraño
CD 8 - Viva
CD 9 – Rachando Concreto
CD 10 – Eletricidade
PLAY
Será que é isso que eu necessito?
Será que é isso que eu necessito?
Quem é que precisa tomar cuidado com o que diz?
Quem é que precisa tomar cuidado com o que faz?”
Enchia as bexigas e batia os pés
Estourava algumas
Outras enchia até o ponto de estourá-las propositalmente.
Outras enchia e enfiava as unhas.
De dois pacotes com 40 sobraram 19. Azuis.
Separou-as em quatro, um grupo em cada canto da sala, e três delas penduradas no lustre.
Arrastou a mesa para o centro da sala e a decorou com bordas azuis. Colocou os copos azuis, os pratos azuis e os talheres azuis sobre a mesa.
Exatamente às 6 horas tocam o interfone.
- Seu, Fernando. Tem uma entrega aqui para o senhor, posso mandar subir.
- Que entrega? (por momento esqueceu de sua festa de aniversário)
- A dona (qual é o seu nome mesmo?) Matilde disse que tem um bolo pro senhor.
- Manda subir, pego no elevador.
- Pois não, seu Fernando.
Colocou um chapéu de festa azul e aumentou o som.
O sonho é popular. Eu li isso em algum lugar. Se não me engano é Ferreira Gullar falando da arquitetura de um Oscar”
Logo viriam os convidados.
Não tomou banho, não se arrumou, sentia-se limpo escovando os dentes.
A campainha tocou.
   Alto
Meio..................................segredo.
   Chão
- Boa tarde, seu Fernando.
- Boa tarde, (esqueceu o nome)
- Dona Matilde, seu Fernando.
- Boa tarde. Eu disse ao porteiro que ia pegar a encomenda no elevador.
- Pois é, seu Fernando, fiquei esperando, não demora tanto assim pra subir até aqui.
- É a tecnologia, dona Maria.
- Dona Matilde, seu Fernando.
- Pois é, é a tecnologia.
- É. (silêncio)
- Quanto é?
- São 7 quilos. Fica em cento e cinquenta reais, seu Fernando.
Deu uma de cem e uma de cinquenta.
- Sabe o que é, seu Fernando. Como tive que entregar, vou ter que cobrar mais 10 da gasolina.
Deu duas de cem.
- Passar bem, dona Maria.
- Dona Matilde, seu Fernando. A festa já começou, o senhor já está de chapéu? Que azul lindo, o senhor deve gostar dessa cor, não é mesmo.
- Não, dona Maria, eu não gosto de azul. A propósito, eu odeio azul.
Fechou a porta.
Colocou o bolo com cuidado em cima da mesa. Desembrulhou. Leu.
PARABÈNS
- Mulher imbecil, colocou o acento pro lado errado.
- Pegou uma faca e cuidadosamente retirou a camada de doce de leite que formava o acento grave. Cirurgicamente transformou em agudo.
O bolo era azul.
Passou o dedo indicador na lateral da edificação, levando parte da cobertura pra boca. Sentiu o chantily se espalhar pela língua. Açúcar em pasta.
Andava pela sala. De ponta a ponta. Do chão ao teto. Via pela janela e embaixo luzes vermelhas. Via os apartamentos acesos, brancos diferentes. Alguém à frente discutia. Não ouvia, mas gesticulava feroz. Uma mulher.
Fernando andava pela sala. Rodeava a mesa em que cochilava o bolo azul. PARABÉNS. Havia uma cicatriz no acento. Os convidados iam perceber.
Pegou o mesmo bisturi e arrancou o acento. Comeu o erro.
Andava em volta da mesa.
Pegou o saco de confetes e jogou por toda a sala, e por sobre a mesa. Granulou o bolo.
Andava em volta da mesa.
Ajeitou o chapéu e olhou para o relógio. Seu coração pareceu acelerar.
Foi até o seu quarto, abriu a segunda gaveta do criado mudo à direita e de lá tirou um 38. 1-2-3-4-5-6. Municiou. Colocou na parte de trás da calça. Foi à sala e aumentou o som.
O arco-íris tem sete cores. E fui juiz supremo.
Vai, vem embora, volta. Todos têm suas próprias razões”
Colocou uma blusa pesada e saiu rápido.
Meio........................... sem segredo.
Suava enquanto esperava o elevador.
Suava dentro do elevador.
Suava em contagem regressiva.
Saiu rápido do prédio. Não respondeu ao cumprimento do porteiro, que pensou o homem ter esquecido alguma coisa em algum lugar.
Andava pela rua rápida. Eram rápidos os passos. Arrastava os sapatos.
O centro de São Paulo às sete e meia fervilha. Uma cidade em ebulição.
Via rostos passarem, rápidos.
Via mulheres gordas que pareciam rolar rápido.
Viam um homem de chapéu azul.
Homens de gravata.
Sorrisos.
Vendedores de cachecol. Bolivianos.
Vendedores de milho.
Putas encostadas no paredão de um edifício interditado. 1922.
Uma mulher gargalhava e fumava.
Parou pra ver a fumaça, que se desfazia na luz.
Em frente à estação Anhangabaú do Metrô via namorados.
Encoxavam as meninas. Elas se esfregavam.
Sentiu um pingo escorrer pela espinha.
Arrepio.
Ameaçou pegar a arma. Desistiu.
Entrou no fluxo de pessoas e subiu as escadas rolantes em direção à rua Coronel Xavier de Toledo.
Mulheres cochichavam quando viam o homem de chapéu.
Procurava.
Olhava para os lados, feroz.
Seus passos eram longos.
Era um ponto azul em meio a multidão. Não pedia licença, topava ombros e dava cabeçadas em guarda-chuvas.
O chapéu era seu guarda-chuva.
Em frente ao Teatro Municipal parou. Olhou para os lados em um giro de 360. Outro giro. E outro. Olhava as pessoas passarem velozes. Riam do chapéu.
Nas escadarias do Teatro viu um casal, que parecia discutir. A mulher gesticulava como aquela do apartamento à frente.
Ele ameaçou pegar o revólver. E fixo foi em direção ao casal.
Há poucos metros tirou o revólver da calça.
- Cala boca, filha da puta! (para o homem)
- O que foi, cara?
A mulher se distanciou e ia correr.
Ele a pegou pelo braço.
- Vadia, fica aqui!
As pessoas passavam rápido por sua rotina. O teatro depois da reforma era ainda o mesmo, as pessoas não-identificáveis eram as mesmas. As luzes eram as mesmas. As sombras eram as mesmas.
- O que você quer, cara? Fica com minha carteira! Deixa eu ir embora! Solta minha namorada!
- Essa é sua namoradinha, seu filho da puta? Porque ela está te esculachando? O que você fez?
- Não fiz nada, não é da sua conta!
- O que ele fez, menina? Me conta!
- Me larga, seu louco! Eu vou gritar!
- Se gritar vai ter que gritar pelo buraco da bala, sua vadia, porque te dou um tiro que atravessa seu pulmão.
- Você é louco, deixa a gente ir embora, o que você quer? Quer dinheiro, porra! Pega minha carteira!
- Não quero essa porra!
- O que ele fez, menina, me fala, sua filha da puta?
- Deixa a gente em paz, moço. Pelo amor de Deus!
Segurava no braço da menina com força. Fazia com que o cano da arma machucasse as costelas.
- Moço, me diz o que o senhor quer. A gente dá e o senhor vai embora.
- Porra, cara, larga a minha namorada!
As pessoas flutuavam pela falta de percepção e automaticamente caminhavam como formigas, que carregavam seu próprio peso em problemas.
- Escuta aqui, vadia, e você, seu filho da puta, eu quero saber porque estavam discutindo. Se não eu furo essa menina. Porra!
- Tá bom, conta pra ele.
- Conta você, seu desgraçado! (disse a menina)
- Ah, a coisa está começando a ficar divertida. É, conta, seu filho da puta!
- Eu saí com a irmã dela.
- Porra, você é muito filho da puta mesmo.
A menina chora.
- Não chora, menina. A vida é assim mesmo, quando a gente confia em alguém se fode. Tá me ouvindo, se fode.
- É.
- Repete, menina: Se fode!
- Se fode! Se fode!
- Para com isso, cara! Deixa a gente em paz!
- E você ainda ama esse panaca, mesmo depois de ele ter feito isso com você?
silêncio.
- Responde, sua vadia.
- Sim.
- É o seguinte, eu vou deixar vocês em paz sim. Só depois de aceitarem um convite.
- Que convite, cara! Você é louco!
- Está vendo isso que está na minha cabeça?
- Sim. É um chapéu de festa.
- Então vocês estão convidados para uma festa de aniversário.
- Que festa de aniversário? Você é louco!
- A minha festa de aniversário. É o seguinte, chama um cara qualquer aí, menina.
- O que? Como assim chamar um cara qualquer?
- É, porra, vê um bonitão aí e chama. Seguinte, você vai dar em cima do cara e vai convidá-lo pra uma festinha. Vou te dar o endereço (tira do bolso um papel). Vocês vão até aí e falem pro porteiro que querem ir ao apartamento do gato de botas.
- Gato de botas?
- É, porra, gato de botas, não conhece contos de fadas, menina?
- Tudo bem.
- Eu e seu namoradinho sacana estamos indo. Espero vocês lá em dez minutos, no máximo. E se realmente gosta desse filho da puta, é melhor você ir, se não o próximo encontro será no necrotério.
Ele pegou no braço do rapaz, e rápido entraram no fluxo das formigas.
O caminho foi feito sem que nada se tornasse suspeito. Eram grandes e velhos amigos.
- Boa noite, seu Fernando.
- Boa noite, (esqueceu o nome).
Contagem 1-2-3-4-5-6-7-8-9 parou (rezou para que não fosse a maldita dona Cláudia) 10-11-12-13-14-15-16-17.
Meio............................ sem segredo.
Se nascemos só uma vez. Isso é o melhor que pode fazer?”
- O que é isso, cara, abaixa essa música!
- Cala a boca, filho da puta!
- Você é louco. Você fez uma festa. Aonde estão as pessoas, cara?
- Estão chegando.
Colocou o rapaz em uma cadeira e nela o amarrou.
- Você tá me machucando, cara!
- Me diz, seu desgraçado. Como foi comer a cunhadinha? Foi bom?
- Do que você tá falando?
- Você não comeu a cunhadinha, cara? Como foi? Foi bom?
Apontou o revólver para a cabeça do rapaz. Encostou o cano na testa. Forçou.
- Porra, cara, isso machuca! Pelo amor de Deus, cara, não me mata.
Às vezes, só do inferno é que se vê o céu. Saia dos seus sapatos e tente andar nos meus”
- Será que sua namoradinha gosta tanto de você a ponto de vir te buscar no inferno, seu filho da puta?
- Eu não sei, cara!
Ele chora como criança.
- Quando você estava comendo sua cunhadinha você não chorou, né? Como foi, de quatro? Frando assado? Me diz, seu filho da puta!
- Tá bom cara, foi de todos os jeitos. Pelo amor de Deus, não faz nada comigo!
- Seu desgraçado!
Deu uma coronhada no homem chorão.
O interfone.
- Seu Fernando, tem um casal aqui procurando o senhor, pode subir pra festinha?
- Pode, seu (esqueceu o nome). Pode.
- Sejam bem vindos.
Ela entra assustada, e seu acompanhante entra de peito inchado, pensando que tinha faturado a gostosinha.
Logo veem, no centro da sala, ao lado do bolo, o homem amarrado à cadeira, e agora amordaçado. Ao lado dele Fernando, com a arma apontada para eles.
- Seu filho da puta, o que você fez com ele?
- Fica quieta, vadia!
- O que está acontecendo aqui?
- Cala boca, gaiato. Se não vai comer azeitona.
Aponta a arma pra ambos.
As armas que eu tenho. As armas que eu quero ter. As armas que eu uso só ferem você. As armas que eu uso só ferem você”
- Porra, cara, abaixa esse som.
- Cala a boca, filho da puta. É festa. É festa. Fiquem à vontade. O que querem beber? Vodka, vinho?
- Eu não quero nada, eu quero ir embora. O que esse louco fez com você, meu amor?
- Louco, eu? Ele que come sua irmã e eu que sou louco?
- Cala essa boca, seu maldito!
- Fica quietinha e aproveita a festa. É festa! É festa!
Dançava com a arma na mão.
O homem traidor chorava com olhos assustados.
Ela, estática, olhava para Fernando.
O outro estava em um show de horrores.
- Isso é um circo! Onde você me trouxe, menina?
- Isso, um circo. Nada aqui é pior do que o mundo lá fora, seu canalha. E você, tem namoradinha também? Heim, seu canalha? Olha, tem até aliança no dedo. É de bom tom tirar a aliança quando for comer alguém. (Fernando gargalhava)
Pegou uma garrafa de vodka, abriu e tomou no gargalo.
- Toma, filho da puta!
Tomou.
- Toma, sua vadia!
Tomou.
Jogou na cara do homem amordaçado.
Cantava alto.
Longe da confusão de fora o momento perfeito parece estar aqui”
- Cantem comigo.
Longe da confusão de fora o momento perfeito parece estar aqui”
Balbuciavam.
Longe da confusão de fora o momento perfeito parece estar aqui”
- Vamos.
Longe da confusão de fora o momento perfeito parece estar aqui”
- Calem a boca!
- Calem a boca!
Fernando desligou o som.
silêncio.
- Calem a boca!
silêncio.
- É hora de cortar o bolo. Coloquem os chapéus e joguem confetes na hora dos vivas.
Obedecem.
... é pique, é pique, é pique é pique é pique, é hora, é hora, é hora é hora é hora, ra, tim, bum, gato de botas, gato de botas... viva, viva.”
Jogaram confetes.
- E o primeiro pedaço vai para... a idiota! Viva! Viva!
Jogaram confetes.
Fernando fazia tudo com a arma na mão, já suja de bolo com confetes.
Ligou novamente o som.
- Vamos, come! Come, vadia.
Ela comeu.
- Agora você, garanhão. Come!
Ele comeu.
- Dá um pedacinho pro seu namoradinho, dá?
Todos comeram.
Fernando pegou um pedaço grande com a mão e colocou na boca, fazendo com que o chantily borrasse os lábios. Com a boca cheia.
- Agora o grand finale! Vocês dois, tirem a roupa!
- O que? Você está louco?
- Vamos, tirem a roupa! Vamos mostrar pro garanhão aqui como se faz!
- Como se faz o que?
- Sexo, oras.
- Não vou fazer sexo com ela!
- E eu também não!
- Cara, minha namorada não vai fazer isso!
- Mas não era isso que você queria, bonitão? (para o gaiato) Papar a menininha? Pois bem, chegou a sua chance.
O gato de botas voltou a amordaçar o tagarelas, se sentou ao seu lado, em uma poltrona grande, no cando da sala, e de lá apontou o revolver para o casal, engatilhando-o.
A programação das músicas acabou. O som rodava a gaveta de CD a procura de algo inédito. O tagarelas tentava em vão se soltar.
silêncio.
Devagar a menina tirou a roupa. Era bonita. Tinha barriga saliente e coxas grossas. Seus pelos pubianos não viam corte há algumas semanas. Tinha os pelos vermelhos. Era como assistir a um filme pornô da década de 80.
Ele abaixou as calças.
Tinha um órgão minúsculo. O medo fez com que seu pau se escondesse.
Ela o masturbou com medo. Não reconhecia aquele membro. Ela fez com que ele acordasse. E mesmo acordado era minúsculo. Tinham medo.
Ela o chupou.
Olhavam para a plateia.
Ela olhava para o tagarelas, que gritava sem escape.
Fernando mirava nos seios. Nas coxas. Na bunda. No pau.
Brincava de ditador.
Se ouvia somente o mastigar da menina.
Fernando se excitou.
Ela ficou de quatro e o homem a invadiu.
Ela gozou olhando para o amordaçado.

Ela tinha um brilho nos olhos.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Lançamento de ESCARAS, de Edu Moreira - Teatro e Bar Cemitério de Automóveis, 20 hs, dia 23-05. Rua Frei Caneca, 384.

Convido-os para o lançamento de meu segundo livro, Escaras. Após ter passado os últimos anos me dedicando à produção acadêmica, hoje volto a produzir ficção. Apresento a vocês meu novo texto, Escaras, uma narrativa urbana e acima de tudo paulistana. Gostaria que os grandes amigos, alunos e familiares viessem tomar algo comigo e trocar umas idéias no Teatro e Bar Cemitério de Automóveis. Um lugar bastante peculiar para um lançamento (aproveito para agradecer Mário Bortolotto e Danielle Cabral), também meu amigo e editor Roberto, da Linear B, um cara de extrema competência. E já que estou na pegada dos abraços, aproveito para dá-los em três pessoas super especiais, que participaram dessa publicação e que foram sem dúvida muito importantes para que esse livro tivesse a força que acredito que tem: Lindolfo Nascimento (pelo prefácio), Eloi Alves (pelo ensaio) e a belíssima Paula Nogueira, pelas orelhas e fotos de capa e contra capa. Pois bem. Espero vcs no dia 23-05 pra tomar alguma coisa e trocar umas idéias. Dicas: Pra quem for de carro, há vários estacionamentos na Frei Caneca, valor aproximado de 8 reais. Pra quem for de metrô pode descer na República, ir sentido Copan, passar pela Roosevelt, descer para a Augusta e chegar na Frei, o número 384 é bem próximo do centro, quase Roosevelt mesmo. Ou descer na Consolação e ir descendo a Augusta, aproveitar a tomar algo no caminho rs. Grande abraço a todos.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Crítica de Paula Nogueira ao livro O Jornalista. (18-12-2012) Pagando as dívidas Estava devendo uma crítica por escrito a Edu Moreira. Após meses de hibernação, saiu do fundo da minha preguiça esse texto que dedico ao escritor que mais me fez refletir sobre questões literárias e não literárias, de vida e de morte, de presença e de ausência, sobre o tudo e o nada, de dentro pra fora e de fora pra dentro. Então, resolvi nesta tarde de segunda-feira escrever sobre esta violação da realidade. Vale a pena ressaltar que pela proximidade com o autor, procurei e o encontrei em alguma palavra - só ele diria isso desse jeito- e esquecia o escritor em muitas outras passagens. Essa, sem dúvida, é uma das características que tornou essa leitura tão intrigante. Mas adianto, as impressões que seguem são frutos de devaneios. Violação da realidade “O jornalista”, de Edu Moreira, além de nos levar ao centro de São Paulo com inscrições minuciosas, trazendo personagens tipicamente urbanas, provocando a imaginação cinematográfica, monta ousadamente a história de um homem perdido em espaços reais e imaginários que surta em meio ao caos. Entre notícias sem nenhum sensacionalismo, apenas com o asco do cotidiano, o narrador- personagem Lúcio tenta fugir da realidade, criando um mundo paralelo em que deixa sua imaginação esquizofrênica o libertar da vida patética que leva. Pode-se dizer que foi ele um jornalista até o momento em que estava preso à realidade, porém passa por um processo de desprendimento do mundo que o cerca mergulhando no “eu” até então não evidenciado. A partir daí, a personagem do jornalista frustrado ganha motivação para se movimentar nos espaços confusos entre mente e São Paulo: perseguindo, fugindo, gozando, vasculhando. O texto em primeira pessoa narrado de um quarto de hotel de beira de estrada deixa um fio de curiosidade no ar que permeia esta história. E aqui cabe uma observação interessante: Lúcio é narrador- personagem, mas também é observador quando o percebemos contando sua história para si, dando conta de detalhes intrínsecos às personagens. É genial esse caráter obscuro de um narrador onisciente em primeira pessoa. Então, as personagens vão surgindo por este fio e, cada vez mais, nos levando a procurar nelas uma parte de Lúcio que desabrocha. Edu Moreira sugere um olhar mais intimista ao deixar o tempo psicológico tomar conta da trama e se confundir com o tempo real, por vezes deixando um gostinho ácido no ar, como no capítulo em que ele deflora Cecília sobre a mesa da cozinha; os dois recitando dizeres do caderno de Lúcio. A cada visita a algum novo cenário, surge certa impressão de um ensimesmamento do narrador desprendendo-se da realidade e mergulhando na loucura. Essa loucura libertadora e que ao mesmo tempo o aprisiona. Liberta de sua vida pacata e sem propósito, de um paulistano frustrado, sem perspectiva alguma. Aprisiona em si, cada vez mais, em cada entrega dele ao contexto criado pela imaginação fértil em notícias inventadas, transformando a violação da realidade em sua própria realidade. E quantos de nós não praticamos essa fuga? Assim como para Lúcio, para cada um de nós o real está no que vemos e no que acreditamos. É mais normal do que parece – por vezes forjamos um cenário para nele viajar sem limites, esquecer os problemas do cotidiano acelerado em que vivemos, pessoas inertes, falsidade, incertezas, cauterizando as feridas abertas a cada constrangimento pelo qual inevitavelmente passamos todas as vezes que pensamos estar acertando o caminho da tal felicidade. Lúcio optou, pois, em não participar mais desse mundo para sentir-se vivo. Ele não suportava o mundo real, as pessoas do mundo real, os padrões do mundo real e o que ele se tornou nesse contexto. Penso na figura de um jornalista. Essa figura já remete a ideia de alguém que traduz o cotidiano de forma objetiva e pouco opinativa, apenas relatando os fatos e mantendo-se alheio. Uma voz. Como a voz muda de uma transmissão que não releva de fato a realidade, pois a notícia seria apenas um recorte dessa realidade. Esse recorte, em “O jornalista” passa a ser manipulável pela mente doentia de um homem perdido no tempo de seus delírios, passa a ser libertador. Convergindo para um questionamento do “eu”, talvez o mundo de Lúcio tenha sido criado dentro de um “Quem sou eu?” “O que sou eu no ambiente em que participo?” “Qual é o sentido dessa existência banal e parasita?”. Lúcio se reconhece em paralelo num todo - criador de seu ambiente- e no nada, abstendo-se da realidade. Devaneios a parte, a influência literária do autor é perceptível e admirável. E, se permitido, afirmo que é mesmo louvável. Dessa forma, apresentando certas pinceladas em passagens que nos deixam questionamentos a serem respondidos ao final da trama quando todas as pontas se atam. Diria que não passa despercebida a sua inspiração no estilo Mutarelli. Mas sem deixar de ser original e criativo. Uma literatura pós-moderna de primeira qualidade.

terça-feira, 31 de maio de 2011

INSTAVELMENTE

Eu chegaria à praça Roosevelt pouco antes das vinte horas, tomaria, como de costume uma taça de vinho, sozinho e vermelho seco. Iria de metrô porque assim poderia ver pessoas e sentir o movimento da metrópole preguiçosa de domingo. A noite de final de maio me proporcionaria um vento gelado que me faria fumar de mentira. As lentes dos óculos congelariam. Subiria elegantemente a Av. Ipiranga observando os homens que dormem na massa de ar quente que sai dos subterrâneos do metrô. Somos todos subterrâneos. Pagaria com o cartão de crédito e seria o primeiro da fila para escolher o lugar exato para que me sentisse sozinho. Quinta fila, cadeira do meio. Livro de um lado e cachecol do outro, assim ninguém se atreveria a se sentar ao meu lado. A companhia às vezes não nos é humana. A solidão sim.
Nesta noite a vida se tornaria uma peça de teatro. Pequeno, em um palco estreito em que contracenariam dois atores. Um chamado felicidade e outro tristeza. Ou melhor, um chamado ontem e outro hoje. Ou ainda melhor, um chamado engano, e outro chamado constatação. Os atores falariam sobre suas perspectivas. O primeiro certamente encenaria um monólogo longo, de pelos menos quatro, ou cinco horas ininteruptas, gesticuladas e com caras e bocas maquiadas. Enquanto o outro sentaria em um banco de madeira, desconfortável, e lá assistiria tedioso ao espetáculo do amigo. Quando fosse definitivamente a sua vez ficaria quieto. Em pé, olhando contra a luz, se houvesse luz, olharia vezes para mim, para ela, para o amigo, para si, para a luz, para ela, para ele, para o amigo, para si, para a luz, para o nada. Um silêncio absurdo que duraria um tempo que relógio nenhum conseguiria contar. O primeiro ator certamente ficaria ansioso para ouvir os planos e as perspectivas do outro. Sem ouvir palavra reclamaria seu dinheiro de volta.
- Não há peça. Não há texto. Quero meu dinheiro de volta!
E eu sentiria por cada segundo ambas as sensações, ouviria ambas as palavras e ambos os silêncios com a mesma vontade e emoção, ficaria tedioso em ambos os momentos. Dormiria em alguns dos ambos trechos do duelo, choraria em ambos os momentos de epifania. Aplaudiria de pé ambos os atores que se cumprimentariam ao final do espetáculo. Sentaria novamente e, após todos os pagantes saírem, a mesma luz se focaria, as mesmas cortinas se abririam, os mesmos atores entrariam em cena, os mesmos textos, as mesmas falas, o mesmo banco desconfortável à tristeza, a mesma reclamação de que não há texto, o mesmo choro no momento de epifania, o mesmo aplauso. Só.
Aplauso só.
E de novo a mesma luz, o mesmo texto, o mesmo, o mesmo, o mesmo, o mesmo, o mesmo.
Em um momento em que o relógio não mais funcionaria eu não seria mais um mero expectador, seria a luz, o texto, o banco, o fala, o choro, o palco.
Outras peças viriam e eu, em um estado de não pessoa, de não coisa, de não sentimento, em um estado verbal em plena realização seria ao mesmo tempo os atores, o cenário, o arrepio, as luzes. A vida seria uma constante realização de uma mentira plena, que substituiria o que um dia acreditei que fosse minha existência.
Seria a comédia, seria o drama, a tragédia, seria homem, mulher, coisa, fato, calor, frio, luz, escuro.
Em mim incontestavelmente haveria um ser que não viveria para os outro, mas viveria dentro de cada um. Me transformaria no teatro e não precisaria voltar pra casa, pois minha casa seria a casa de cada um, meus pensamentos seriam os pensamentos de todos, minhas sensações seriam as sensações de todos que um dia se sentaram na plateia.
Não teria obrigações, cartas, relatórios, teses, diários.
Seria o gozo.
O gozo que só o palco pode proporcionar.
E tudo reapareceria, instavelmente...
Instavelmente...