segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Trecho de "O Jornalista"

Capítulo I


Nas nádegas de Suzana


Contração... ... ... ... ...T r a n s b o r d a m e n t o

... cigarros

Estou mole... volta pra cama.

...

Me dá um cigarro
Vou ver se ainda o vejo. Está dentro do carro. Vejo o farolete vermelho. Mais forte... mais fraco.

...

Volta pra cama.
Temos que pensar em alguma coisa, antes que ele resolva entrar aqui. Ele sabe em que suíte estamos. Está olhando fixamente para a nossa janela.
Senta aqui e me conta essa história... preciso entender tudo isso. Estou confusa

Tudo bem...

... cigarros

Tudo começou nesta segunda-feira.

Longo silêncio... cigarros

O gato fuçava no saco de lixo da cozinha provocando um barulho insuportável e intermitente de sacolas vagabundas de plástico.
Dessas de supermercado.
Era meio-dia. Era uma luz amarela que teimava na janela.
Decidi me levantar.
Fui para a higiene matinal, que não é tão estimulante, porque, afinal, é um pouco de água fria na cara, um pente que tenta desembaraçar os cabelos sem corte, uma escova de dentes que teima em machucar a gengiva...
Sem contar a horrível sensação de ânsia quando a escova faz o trabalho de limpar a língua. Já limpou a língua com a escova? É foda.
Dei um tapa no gato e decidi descansar mais alguns minutos. Fui me sentar, esticar-me, fui espreguiçar no sofá da sala.
E isso foi incômodo porque o móvel já estava com algumas décadas de vida e com partes do corpo quebradas; uma das costelas ficava saliente, e isso prejudicava bastante em contato com as minhas costas, mas, enfim, ali fiquei por mais trinta minutos.
Você tem sofá?

Você me olha e ri. Tem olhos de uma criança.

Embaixo as buzinas me indicavam que a vida existia e era feita de movimento e de barulho.
Ao meio dia alguém conseguia dormir a alguns metros da avenida Ipiranga?
Você conhece a avenida Ipiranga?
É lógico que você conhece a avenida Ipiranga. Aquela do Metrô. Da porra da loja de doces. Tudo muito barato.
Era um andar alto, o oitavo, mas mesmo assim o eco se propagava entre as paredes do meu edifício e as do prédio do Bradesco, dando a sensação de um volume ainda maior, como um urro. Como se a agência bancária fosse um monstro.
Você já foi nessa agência bancária? É um monstro mesmo.

O relógio mostrava doze horas e quarenta minutos. Pensei: mais dez e levanto.
Não sei, tomar um café, ir comprar o pão, ou até ir ao mercadinho.
Esse último de fato eu sabia que não ia fazer, pois era segunda-feira, e sempre sobra algo comestível do domingo ou do sábado.
A padaria ficava no térreo do prédio, pequena. Não havia problemas em descer rapidamente, ou até mesmo tomar um café em um dos dois coffes do edifício.
O Floresta, conhece?
Você prefere expresso ou capuccino?
Porra, mas no Floresta não queria ficar olhando para a cara do Zé.
Gente boa, sabe, um nordestino, balconista que nos momentos de minhas bebedeiras era um bom amigo, sabia escutar, mas conversar com ele sóbrio era o mesmo que falar com uma senhora de noventa anos após a missa de domingo, na porta de uma igreja.
Qual a sua religião? A minha é híbrida.

E também não queria que algum turista chato me parasse no corredor, no elevador ou até mesmo interrompesse o meu café perguntando o que eu achava de morar em um prédio que tinha o seu próprio CEP.

...01066-900

...que possuía aproximadamente 2500 moradores
...em 1160 apartamentos
...uma igreja
...que antes fora cinema
...um alfaiate
...um fast-food chinês
...quatro restaurantes
...uma lavanderia
...uma lanchonete
...dez lojas de roupa e acessórios de moda
...cinco cabeleireiros
...uma imobiliária
...uma relojoaria
...dois cafés
...uma vídeo-locadora
]...cinco telefones públicos
...uma doceira
...uma agência de turismo
...uma papelaria
...um despachante
...uma vista maravilhosa de sua cobertura
...blá blá blá, o caralho a quatro.
Você já foi parada por esses sacanas?
Os caras ainda tem a cara de pau de pedir pra tirar uma foto com a gente. Honestamente tenho vontade de mandar se foder.
Vai se foder, cara!
Falamos juntos.
Vai se foder, cara!
Um dia foi um alemão, eu falava. Vai tomar no cu, vai se foder, sua bicha, chupador de salsichão. E ele sorria como uma criança. Foi engraçado.
Mas naquele dia não estava pra papo de gringo, e nem de ninguém.
Um pouco antes de descer atrás de alimento, decidi fumar um cigarro na janela, como fazia todas as manhãs, pelo menos nas minhas pós meio-dia.
Quando abri a porta da varandinha senti um vulto passar por entre as minhas pernas, era o gato indo para a sua liberdade, fazer, atrasado, sua higiene matinal.
Acredito que para ele esse processo é mais agradável.
Não tem a porra da escova na língua.
Você já escovou a língua?

O bichano ficava alguns minutos ao sol, estático, até que resolvia se deitar, espapaçado, de barriga para cima, esticado, fazia com que a superfície de contato com a luz fosse a maior possível, até se sentir quente o suficiente para sair do sol e começar o lambe-pata, lambe-barriga, lambe-perna, lambe-pinto, lambe-cu.
Lembrava aquele da pensão burguesa.
Você gosta de Bandeira?
Diga trinta e três. Trinta e três, trinta e três, trinta e três. Repire .............................. O senhor está todo fodido.
Porra isso me fez lembrar de um professor que tive. Coincidentemente o cara se chamava Manuel. O mais engraçado é que ele tinha a língua presa.
Professor, recita aquela do Trinta e três.
Tlinta e tlês. Tlinta e tlês. Tlínta e tlês.
Agola lespile, professor.
...............................
O senhor está é fodido.
Todos gargalhavam.
E ele também.

Após apreciar o felino, como às vezes fazia, peguei as chaves, a carteira; ia abrir a porta para o corredor quando vi pelo reflexo do vidro que eu estava somente de cuecas.
Voltei e me encaixei rapidamente em umas calças jeans, assaltei uma camisa que estava jogada por sobre o ventilador. Cheia de pó. Sacudi, coloquei e saí tossindo.
Fui de chinelas ao térreo, na padaria o atendente me olhou esquisito.
Quem iria comprar o café da manhã a uma hora dessas?
Pedi três pães, pensei em pedir mais, mas como tinha ouvido que pães fazem mal para gatos decidi comprar o suficiente para minha satisfação.
Você gosta de pães?
Gosto daqueles italianos, mais duros, tem o miolo bom pra cacete, gosto de enfiar a mão dentro e puxar. É como fazer uma autopsia. Estuprar o pão.
Cogitei comprar queijo, daquele bem amarelo, mas estava sem paciência de esperar o Zé fatiá-lo.
Gosto bem fino, sabe? E Você?

No caminho de volta, ao descer do elevador, encontrei o vizinho, Joel Pereira, de um dos apartamentos do bloco. Ex-funcionário público de alto cargo, aposentado, mas ainda prestava alguns serviços para o Estado, chefe de família, pai de duas filhas já crescidas e avô de seu primeiro neto.
Você conhece o Joel?
Porra, é lógico que você conhece o Joel. Às vezes acho que não sei com quem estou falando.
Ele estava radiante, cheio de bons-dias. Peito estufado. Camiseta Hering. Bermuda beje, com duas listras azuis dos lados. Tênis de caminhada, daqueles que parecem sapatilhas:
Bom dia, vizinho.
Bom dia, vizinho.
Respondi mecanicamente, abrindo já a minha porta, e sem acrescentar nada, pois queria que o diálogo terminasse ali, sabe com é. Você me conhece.
No momento sublime do fechamento da porta Joel a interrompeu com o pé, fazendo com que ficasse uma pequena fresta.
Já, vizinho. Não quer me acompanhar em uma corridinha? Vou ao parque do Ibirapuera. Vai tomar café agora? Tarde, não? O senhor sabia que já almocei? Vamos, deixe esse pão aí, coloque um short, uma regata, um tênis bem confortável e me acompanhe.
Ele dizia isso com um sorriso no rosto, aos pulinhos, como se já estivesse aquecendo para a Maratona de São Paulo, que aconteceria dali a alguns meses.
Naquele momento o meu desejo foi pegar cada palavra de bom tom e de carisma, molhá-las em gasolina, incendiá-las e devolvê-las com força, na cara.
Obviamente, não o fiz, acredito na diplomacia.
Você acredita na diplomacia?

Obrigado, sr. Joel, é muita gentileza o senhor me chamar para acompanhá-lo, mas hoje estou um pouco indisposto.
Ô, vizinho, cuidado, você deve se cuidar, exercícios, exercícios, exercícios...
E ao mesmo tempo em que falava, sempre aos pulinhos, levantava o antebraço mostrando seus músculos, a pele flácida. Lembrou-me Popeye, só faltava o cachimbo e a lata de espinafre, pois até o fundo musical pude escutar...
Sou o marinheiro Popeye, pu, pu.
Você assistia ao Popeye? Acho que você é muito nova pra ter assistido a esse desenho. Era incrível, o cara comia uma coisa verde e ficava forte pra caramba.
Coisa verde.
Será que isso era uma metáfora. Popeye era maconheiro?
Ah, na minha época é que havia desenhos de verdade. Lembra do Thundercats? Do He-Man? Da She-ra? Gostosa pra caralho, logo que a via ficava de pau duro.
Mãe, preciso ir ao banheiro.
Ela sabia.

Obrigado. Falei de maneira seca e fechei lenta a porta, forçando para fora o pé do intruso.
Assim que entrei vi novamente o gato, em cima da mesa, comendo restos de uma pizza de frango com catupiry, esquecida lá na noite de sábado.
Comia como um mendigo quando lhe é colocado perante os olhos um banquete real. Comia com voracidade e dava patadas nos pedaços do galináceo, como se o quisesse matar, sentindo dentro de si seus antepassados.
Gatos selvagens na savana, em caça...
Um frango esmigalhado, triturado, que mesmo inteiro e vivo não ofereceria resistência alguma.
Rapidamente enxotei o gato para a área, como se aquela felicidade alheia me fizesse mal.
O que você sente quando vê pessoas sorrindo a troco de pouco. A troco daquilo que lhe parece pequeno e insignificante?
Mas logo depois joguei para área a caixa de pizza, com um ar de senhor feudal jogando migalhas à plebe.
Qual sabor de pizza você mais gosta?
Eu gosto de calabresa, com bastante cebola, e com molho caindo pelas bordas.

Já sentindo pequenas dores no estômago, decidi finalmente preparar o meu café.
Fiz.
Pão com manteiga, ou melhor, margarina, pois manteiga não havia.
E café.
Um café da manhã operário. Meia de café e pão na graxa.
Liguei a TV e comecei a assistir ao jornal da TV Globo.
É um dado assustador – dizia Chico Pinheiro – agora já são dois motoboys que morrem por dia na cidade, por ano são quase oitocentas mortes.
Gente pra caralho, não acha?
Uma vez conheci um cara que era motoboy. Trabalhava muito e ganhava uma miséria, mas deixa pra lá.
Apostador aposentado ganha sozinho o valor de quarenta milhões de reais na mega-sena e morre de infarto ao saber do prêmio – dizia, logo depois, Carla Vilhena, com um sorriso sarcástico.
Aquele sorriso me incomodou. Mas ao mesmo tempo me deu prazer. Uma dor orgásmica. É como gozar e morrer. Talvez seja a melhor forma de deixar esse mundo cão. Após aquela gozada, morrer ainda sorrindo.
Com a porra do café nas mãos pensava nas notícias.
Antes morrer como um motoboy do que morrer após ganhar milhões de reais, afinal, o aposentado, como na maioria dos casos, devia ser pobre, hipocondríaco e aposto que o benefício mensal (malefício) não dava para comprar os remédios dos quais necessitava; após ganhar esse dinheirão certamente mudaria de vida, iria se tratar nos melhores hospitais, poderia ter uma enfermeira à sua disposição, e ela poderia ser muito gostosa, loira, de peitos grandes, iria viajar, conhecer outros países, arrumar uma nova namorada, bem novinha e cheirando a carro zero quilômetro. Tudo bem, sabemos que seria uma relação interesseira, mas ele teria pouco tempo de vida, talvez mais cinco ou dez anos, poderia se dar ao luxo de uma bonequinha. Já o motoboy, que também na maioria dos casos daria duro para sobreviver, e não teve a oportunidade de se profissionalizar, já não apresentava em si atrativos sociais, levava a sua vida e na hora da morte não ganhou nada, se não morresse continuaria levando a sua vida, a mesma vida pobre e sem oportunidades. Pouco provavelmente uma enfermeira gostosa e com os peitos grandes iria atendê-lo em um hospital público. Antes morrer como motoboy.
Menos prejuízo.
Você ri, não é? Mas acho que pensa como eu. Você é como eu sou. Só não sou tão bonito.

Após o café plebeu, decidi ir ao trabalho, um caminho longo e árduo, da cozinha para o escritório.
Acredito que nesse percurso dei uns quinze, ou dezesseis passos, levei uns dois ou três minutos, pois fui longamente, sem pressa de chegar à labuta, não que não goste do que sou obrigado a fazer, mas é que quando demoro dá uma sensação de liberdade... de chefe... fui espreguiçando, olhando para o corredor.
Uma luz no fim do túnel. Animador.
Na realidade, do que eu precisava naquele momento era um balde de água fria no rosto, para acordar definitivamente e obter coragem para começar a trabalhar.
Foi o que fiz, uma escala rápida no banheiro, molhei as mãos e as esfreguei no rosto, de maneira forte, dando dois tapas, singelos, de cada lado.
Acorda! Acorda!
Finalmente sentei-me à minha mesa e, maquinalmente, comecei o processo industrial de criação.
Quer um cigarro?
Eu já te prometi que ia parar com essa porra, mas não consigo. Acho que, na verdade, não quero conseguir.

... cigarro

O cara ainda está lá.

Não quer mesmo? Esse é mentolado. Coisa de fresco.

Semanas antes, eu estava desempregado... comia pouco, falava pouco, não recebia ninguém, não atendia aos telefonemas.
Lembro-me até que em uma semana recebi um telegrama de minha mãe, perguntando por que eu não atendia mais aos telefonemas, e se eu ainda estava vivo:
MAE PREOCUPADA LIGA CASA
Com coragem comecei a mandar alguns currículos. O aluguel já havia vencido, e a luz estava prestes a ser cortada; e para não perder os meus programas preferidos na TV decidi tomar uma atitude.
Mandei os currículos por e-mail mesmo.
Não acha que é o modo mais fácil hoje de se conseguirir um emprego. Melhor do que enfrentar a rua Barão de Itapetininga, seus malditos postes, murais e agências de emprego.
Você conhece a rua Barão de Itapetininga?

Em pouco tempo recebi uma proposta pouco interessante, e mesmo sendo a primeira resolvi aceitar, pensava: vai que mais ninguém ligue. E foi o que aconteceu.
Recebia algumas matérias da edição do jornal, que além de publicar o impresso, publicava a versão virtual resumida. Adequava a impressa à linguagem de Internet, tornando-as mais rápidas, além de criar, ou melhor, copiar partes do texto original, as chamadas de INDEX.
Enfim, um trabalho que não necessitava de muito esforço, tão menos inteligência e pré-requisito de cinco anos em faculdade de Jornalismo; somente bom senso e um dicionário de idéias semelhantes. Assim construía. Criava!
Voilá!
Qual é a sua formação? Me desculpe, você já me falou isso. Às vezes esqueço coisas simples, como a cor de minhas cuecas, quando estou com elas.

Todos os dias: mortes, acidentes, corrupção, desespero, assassinatos, suicídios, estupros, desaparecimentos, choro, perda, fracasso, enfim, as coisas que impulsionam a humanidade e, principalmente, eram comercialmente viáveis.
Logo a primeira reportagem que recebi na segunda-feira contava que, no início da tarde do dia anterior, uma prostituta fora encontrada morta e estrangulada dentro de um vagão do Metrô em São Paulo.
Após alguns minutos de criação tive como resultado para a primeira página:
PROSTITUTA GRÁVIDA É ENCONTRADA MORTA, COM SINAIS DE ESTRANGULAMENTO, EM METRÔ PAULISTANO
A notícia trazia fatos mal explicados e estava cheios de lacunas.
Quem era ela?
Como foi parar ali?
Só havia no texto que recebi: ESTRANGULADA, PUTA, GRÁVIDA.
Foram estas as palavras que saltaram para a minha manchete.
De resto, conjecturas.
Os leitores geralmente não se impressionam mais quando acontece algo de grotesco com adultos, mas quando se coloca como vítima uma criança a coisa muda de figura.
GRÁVIDA
Lembra daquele maluco que se jogou do prédio há dois anos? Louco de pedra. Gordo. O cara ficou parecendo uma peça de mortadela atropelada, não se sabia onde começava e onde terminava o cara. Lembra disso? As pessoas passavam e quase tropeçavam naquilo. Viam e não sentiam nada. O que esperar de um povão que janta assistindo ao jornal do canal 7.
Após algumas horas de trabalho. Com as sombras em outro lugar. Com as ruas mais quietas. Os automóveis e as pessoas mais lentos. A visão mais embaçada. Os óculos mais sujos. Com dores nas costas. E um pouco de suor na testa, resolvi providenciar o que seria o meu almoço, já às cinco e meia da tarde.
Fechei os textos, deixei as pessoas do MSN falando sozinhas e desliguei a máquina de trabalho.
Antes de ir à cozinha, e com a desculpa de tirar a pequena umidade de suor da testa, acabei indo tomar um banho. Na realidade era para me limpar de tanta desgraça.
Letras sujas.
Peguei uma toalha e no caminho ao banheiro fui deixando calça, camisa, chinelas, cueca, óculos...
Como se me esquecesse, ou fosse me esquecendo. Deixando o diploma de jornalismo, deixando as decepções, deixando os medos, deixando a vida. Como se nu fosse só alma, só aquilo que de mim poderia ser aproveitado, ou tivesse salvação.
Coloquei o chuveiro no nível mais quente – inverno - e abri pouco o registro, deixando a água quase em ponto de ebulição, com o objetivo de desinfetar o corpo e o ambiente; o vapor, assim, lixava o corpo, esfregava os poros e, escapando pelo vitrô lateral, andava pelo apartamento, limpava os cantos.
Sujos.
Você gosta como? Bem quente também?
Só quem não gostava desse vapor fantasmagórico era o gato, assim que via a água sair pela fresta da porta ficava louco, começava a correr pelos cômodos, pulava em cima dos armários, derrubava objetos, principalmente porta-retratos.
Ele não gostava de pessoas observando.
Os porta-retratos são observatórios que guardam os mais terríveis fantasmas, e eles julgam também.
São como naves espaciais que vêm do além pra observar. Estudar o que os novos fazem para desonrar os ancestrais. E sempre fazem.

Saí e dei a liberdade ao gato. Levei-o para a varanda. Assim salvando os meus fantasmas.
Por fora, vi o vapor saindo do banheiro. Definitivamente era uma imagem bonita, ou melhor, imagens bonitas, pois a cada segundo, se eu ficasse parado, fixamente olhando, perceberia formas das mais variadas
...cama.
...faca.
...homem.
...cavalos.
...elefantes – eles sempre aparecem, se não em nuvens, em vapores d’água saídos de banheiros.
Até que um espirro me acordou e me obrigou a voltar para o banho.
A água tem um poder avassalador; de fato há tsunamis, tempestades, afogamentos, mas nada como o poder de limpeza que a água possui. Realmente é capaz de eliminar todo e qualquer pensamento ruim, sujeira psíquica, colocar em ordem o armário mental.
Gostava de fechar a porta; e isso fazia surgir uma sauna poderosa, a ponto de quase não ver a minha figura no espelho.
Por alguns segundos a falta de percepção de mim mesmo me fazia bem... para depois do banho passar a mão no espelho e ver novamente quem sou, como se fosse apresentado a uma nova pessoa, um novo amigo.
De cara limpa, de rosto sereno, de olhos claros.
Em um mundo de nuvens mergulhava no infinito, na atemporalidade, na metafísica... para uma cena de filme americano só faltavam belas mulheres nuas, de peitos grandes, como em S.O.S Malibu, ou como daquela enfermeira do desenho.
Olá! Enfermeira!
Era bom não ver as coisas nítidas. Ter impressões.
Você gosta de ter impressões? Como em um estado de bebedeira. Sentir que as coisas não são o que elas verdadeiramente são. Mas nesse momento é o que basta pra sentir plena felicidade. Ou até mesmo sentir como elas verdadeiramente são.
Às vezes quando olho para alguma coisa não sei se aquilo é verdade. Mesmo que não esteja bêbado.
Você também sente isso?
Por exemplo, quando me olho no espelho. Não sei se estou me vendo verdadeiramente. A idéia que tenho de mim não é a mesma que os outros têm.
Você entende isso?
Se sou o que os outros veem em mim, posso não ser o que eu vejo em mim. Ou sou vários, porque várias pessoas veem um alguém em mim. Mas ser vários é não ser nada definido.
Então não sou.
Não existo verdadeiramente.
Meu Deus, você deve achar que sou louco.
É, o espelho me provoca essa sensação.
A IMPRESSÃO de mim mesmo.

Gosto de me ensaboar várias vezes. Às vezes não me sinto limpo. Naquele dia não foi diferente.
No momento em que estava ensaboando pela segunda vez os meus pés, e como obviamente tinha que ficar apoiado somente em uma perna, segurei no armário; em um momento de desequilíbrio acabei abrindo-o sem querer, e dele caiu uma revista... um exemplar da Playboy de março de 1999, que tinha na capa Suzana Alves.
Não acreditei que ainda tinha aquela revista. Resolvi jogá-la fora, mas não sem antes gozar pra ela pela última vez. E por ser a última gozei na folha, em uma das nádegas de Suzana.
Após o êxtase as pernas enfraquecidas bambeavam.
Fatigado pelo sexo casual, e vendo aquele corpo delicioso acabei por lembrar da matéria que tinha trabalhado há pouco, da puta que foi achada estrangulada no Metrô.
Caralho, a puta estava grávida!

Dia 10 de fevereiro foi o lançamento do livro "O Jornalista", minha primeira publicação, para quem quiser se embriagar com as fotos fique à vontade para vasculhar o meu perfil no orkut. Amigos e admiradores marcaram presença. Confesso que bebi vinho demais e em alguns autógrafos eu não sabia o que estava escrevendo, mas valeu a pena. Abaixo deixo disponível uma trecho da obra, e se gostarem entrem em contato. edumoreira@usp.br. (O livro está a venda na Livraria da Vila, Rua Fradique Coutinho, 915, peça pelo e-mail encomendas@livrariadavila.com.br, ou entre em contato comigo.) Grande abraço.

Livro do Primeiro Festival de Literatura - Faculdade de Letras - FFLCH-USP

"Nobile Premium Café

Num capuccino em canela
que dá o amarguinho de Sampa
às 18 horas de uma quinta,

Quente quanto os olhares
de transeuntes na praça do Colégio,

A prostituta que faz psiu,
e de psiu em psiu se faz
de programas a 30 paus,

Quanto há nesse capuccino
são-bentino além de
canela e chocolate"

Edu Moreira (Texto retirado do livro do Primeiro Festival de Literatura - Faculdade de Letras - FFLCH-USP. DIX Editorial. Gráfica Linear B. 2005. São Paulo. - ESGOTADO)

Queridos, esse texto, e mais quatro poesias, ganharam menção honrosa no Concurso de Literatura Letras, USP. Nesse mesmo concurso ganhei o primeiro lugar na categoria Conto, com o texto "Lola". O livro infelizmente está esgotado, tenho ainda alguns exemplares, caso queiram ter contato com os textos, podemos conversar. edumoreira@usp.br. Grande abraço.